Você se sente ou já se sentiu hipócrita? Talvez o texto desta edição converse um pouco com você. 🫠
Um Lúcifer analógico
É difícil me deixar ser vulnerável.
Estranho uma escritora dizer isso, não é? Só de escrever este texto, me sinto desafiada pelos instintos, com vontade de me esconder embaixo na cama, com um cobertor sobre a cabeça.
Decidi não ceder à tentação.
Geralmente sou muito otimista, uma caçadora de soluções, caminhos e trilhas. Mas e quando desbravo, desbravo e desbravo e ainda assim, não encontro nada? Ou pior, encontro muito.
“Being conscious is a torment
The more we learn is the less we get
Every answer contains a new quest
A quest to nonexistence, a journey with no end”*
Sensorium, Epica
*Tradução: Ser consciente é um tormento / Quanto mais aprendemos, menos entendemos / Cada resposta contém uma nova busca / Uma busca para a não-existência, uma jornada sem fim.
Ser escritora e publicitária é uma faca de dois gumes. Por um lado, é uma delícia saber vender meu peixe. Por outro, é um tormento saber vender meu peixe. Conheço bem as frases de gatilho, as técnicas para captar atenção, as estratégias e muitas das possibilidades infinitas de um bom marketing digital. É exatamente por isso que me cobro tanto. Apesar de todo o conhecimento de 10 anos na área estar lá, criando todos os dias para diversos clientes, a Bruna escritora não dá conta dessa marimba, mon amour!
Ela não dá conta de criar conteúdos diários, de incorporar um arquétipo vendedor e de autoridade para te convencer a comprar cursos pelo preço de um rim, de te iludir com um estilo de vida ostensivo para esfregar na cara da sociedade o que é ter sucesso. É verdade, isso vende muito e vende rápido!
É uma estratégia muito comum do marketing que parte de um princípio aspiracional, de fazer você idealizar um estilo de vida. “Se eu posso, todo mundo pode”. Como não cair na tentação de ter a vida transformada por um curso de 3mil reais? E assim você investe seu tempo, dinheiro e saúde mental em busca da vida de outra pessoa.
Não estou demonizando ninguém, apenas dizendo como as coisas são. Sou publicitária, lembra? Minha hipocrisia tem limites, embora a Bruna escritora não queira nada disso para si.
Aqui as tretas internas ficam nebulosas.
Amo criar conteúdo. Não gosto das imposições, dos gurus, do estilo de vida ostensivo e cheio de promessas de alguns. Sabe por quê?
Não existe fórmula mágica.
Sou muito resistente ao marketing agressivo, pois sua mensagem é, sim, corrosiva. Gera comparações, a sensação de fracasso, alimenta um sistema violento e meritocrático de nunca alcançar um ideal. Pessoas infelizes são lucrativas. Elas seguem uma eterna busca por uma perfeição ilusória.
Por isso os gurus vendem tanto e andam por aí com os bolsos cheios.
É uma estratégia que funciona? É sim.
Mas funciona para quem?
Quando se é uma EU-quipe, como acontece com muitos autores e autoras, o marketing agressivo, esses arquétipos de autoridade, do glamour e da performance, se torna insustentável. Penso nas mães, nos artistas com seus trabalhos formais e tantas outras realidades e circunstâncias para além do meu conhecimento que devem receber esses discursos de “Todo mundo tem as mesmas vinte e quatro horas” como se fosse um soco na cara.
Mas posso afirmar: não existe apenas um caminho.
Conheço artistas e criadores de conteúdos que trabalham muito bem suas redes sociais sem bancar a trombeta apocalíptica do capitalismo. O assédio é tão grande por parte de alguns discursos que entendo acharem que criar conteúdo é se vender demais.
Eis a hipocrisia.
Eu quero me vender demais. Quero meus livros sendo lidos, ser reconhecida pela minha escrita, quero, sim, criar conteúdos, inspirar pessoas, ter uma vida confortável e dinheiro para fazer o que amo. Trabalho em uma profissão capitalista e atendo clientes que reforçam esse sistema. Dizer que não quero vender a minha arte é ser mentirosa.
Minha mão coça para não vestir um personagem, para não lotar meu perfil de conteúdos diários, respeitando a vontade do nosso deus todo-poderoso algoritmo. Mas não o faço. Não faço, pois minha incoerência tem sua coerência. Minha pessoa física se recusa a ir por esse caminho.
“Encontre a tortura que você aguenta.” — Jerry Sienfield*
* Obrigada, Claudia Lemes, por compartilhar esta frase.
A Bruna Escritora não é a Bruna publicitária, mas ainda assim, o trabalho de divulgação e os conteúdos precisam ser feitos, são as ferramentas que tenho para alcançar o que busco, ser vista e lida em vida.
Enquanto a Bruna escritora ama tempo de qualidade para refletir, aprender, pensar, discutir e marinar ideias, ler, caminhar no parque, escrever seus devaneios no papel com tinta e muitos questionamentos e observações sobre a vida na cabeça, a Bruna publicitária é a estrategista empolgada com redes sociais e inteligência artificial, focada em resultado.
Essas duas brigam o tempo todo.
A Bruna escritora é essência, a Bruna publicitária é sobrevivência.
Se o algoritmo é o todo-poderoso, talvez eu seja um anjo caído, uma espécie de Lúcifer analógico.
A aceleração do tempo de resposta, do pensamento, a performance, as redes sociais, as ferramentas que resolvem tudo em um estalo, matam e perturbam a espontaneidade do meu lado escritora (já o lado publicitária acha incrível como a tecnologia facilitou algumas coisas).
Na era do deus algoritmo, onde medimos afetos pelas interações no Instagram, onde as pessoas se comparam e a nossa saúde mental se esgota de tempos em tempos, me sinto um anjo caído. Embora desfrute do paraíso, das graças de um senhor egoico, ao mesmo tempo, me rebelo com o suor na mão, segurando a caneta, debruçada sobre um caderno sem interferências e botões mágicos, resistindo com as minhas histórias e devaneios, negociando meus limites e questionando o sistema do qual participo.
Um afago nos ombros dos hipocritinhas❤️
Para fechar o assunto, deixo esse vídeo maravilhoso da Diretora de Conteúdo Michele Carlos.
Uma palavrinha sobre o Rio Grande do Sul
Durante as últimas semanas, acompanhei pelas redes sociais e trocas no WhatsApp, muitos colegas, entre escritores, escritoras, editoras, editores e livreiros, vivenciando a catástrofe anunciada pela ciência.
A autora
divulgou em suas redes sociais algumas pessoas da escrita que precisam de apoio. Vou deixar os dois posts dela aqui.Você pode ajudar fazendo doações, conhecendo o trabalho delas ou simplesmente compartilhando, o que seu coração mandar ou puder. :)
Últimas leituras
✨ Vespeiro, de Irka Barrios: uma coletânea deliciosa de ler. São trinta contos de terror tecidos com uma escrita ritmada e sem enrolação, capaz de acessar o imaginário das mais variadas formas. Meus contos preferidos foram Ferozes Somos Nós e Terrário.
Terminei o livro completamente rendida e apaixonada pela escrita da
Inclusive, o livro está com desconto na Amazon, hein? (ó eu fazendo propaganda pra lojinha de bilionário. risos)
Tomatinhos
Conteúdos e aleatoriedades que fiquei a fim de te mostrar. :)
.
🤘Recomendação de newsletter: tenho gostado muito da honestidade dos textos da
em . Vai lá conferir!
🤘De verdade, me diverti muito criando esse conteúdo.
🤘Por que você quer ser lida? Compartilhei um pouco dos meus devaneios sobre o assunto.
Obrigada por ler mais uma edição do “bruna está digitando…” até o final :)
Você pode apoiar meu trabalho compartilhando, comentando ou respondendo este e-mail e pode me chamar para trocar ideia e formar parcerias.
Até junho! 🤘
Bruna Corrêa — publicitária, redatora, escritora de ficção, e-mails e devaneios.
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Muito obrigada pela menção, Bru. Fiquei muito surpresa e contente <333
E sobre esse assunto, me identifico. No meu caso, sei que preciso vender meus serviços de escrita, ter uma marca pessoal (não aguento mais esse termo, inclusive), mas, ao mesmo tempo, acho tudo tããaao chato, uma falácia. Maaaas é isso que eu faço pros clientes e até tento vender. Ou seja, hipocrisia, contradição. É muito difícil viver nesse mundo tendo essa consciência. Daí eu me pergunto se é isso mesmo que eu quero fazer o resto da vida ou se estou apenas vivendo uma fase. Porém, não me imagino fazendo outra coisa (kkkkk que delírio). Vai entender...
Acho que é bem o que você disse: encontrar o nosso jeito de ser. E você já faz isso muito bem e o sucesso já está à sua espera <3
Me identifiquei nesse texto. Estou fazendo transição de carreira e investindo na de copywriter, e nesse começo fiquei me perguntando muito sobre que tipo de profissional eu quero ser, porque não queria ser alguém que escreve algo apelativo tudo por dinheiro, usando gatilhos pesados etc, só que também preciso de grana. Parece difícil mas não é impossível. Eu como alguém que também quer ser escritora e vender futuramente meu livros fico pensando como serei como vendedora. É uma batalha, achar o equilíbrio é difícil, mas vale a pena tentar